Descrição
“O filho honra o pai, e o servo o seu senhor; se eu sou pai, onde está a minha honra? E, se eu sou senhor, onde está o meu temor? diz o SENHOR dos Exércitos a vós, ó sacerdotes, que desprezais o meu nome. E vós dizeis: Em que nós temos desprezado o teu nome?” (Malaquias 1:6)
A primeira convicção que é essencial para a conversão da alma, é a convicção do pecado; não aquela convicção comum de que todos os homens são pecadores, mas a convicção pessoal de que eu sou um pecador arruinado; não a convicção geral de que outros homens devem ser perdoados ou perecer, mas a convicção pessoal de que, eu, devo ser perdoado ou perecer. A partir daí, não há barreira maior no caminho desta verdade que está sendo impressa na alma, como a consciência particular de que possuímos muitas virtudes. Nós não conseguimos ser levados a crer que a imagem de Deus foi tão profundamente apagada de nossas almas como a Bíblia nos diz, quando reparamos dentro de nós mesmos e vemos expostas em outros, o que poderiam ser chamadas de virtudes ''quase'' Divinas. Os heróis dos quais temos lido na história, com o seu amor por seu povo, indiferença diante da morte e sua lealdade e fidelidade em suas amizades, parecem levantar-se diante de nós para pleitear a causa de uma humanidade ferida. E o que é mais perturbador nisto, é achar que a nossa prática diária benigna de hospitalidade, que as torrentes de generosidade sem limite e a compaixão que chora porque outro chora; todas estas coisas estando em harmonia com homens que não se importam com Cristo e sua salvação, parecem levantar uma barreira intransponível contra a verdade de que o homem é concebido em pecado e formado na iniquidade. Quando entramos em uma casa, e vemos todos os irmãos e irmãs desfazendo-se em lágrimas ao ver as agonias de uma irmã ao morrer; ou quando, vemos a ternura em afeto da mãe para com a criança doente em seu seio; a alegre obediência dos filhos, prestada ao sábio pai; ou em uma família, onde o servo administra com tal integridade e minunciosamente cuida dos assuntos de seu mestre terreno, ficamos prontos a questionar: de fato será este um mundo de pecado? É possível que a ira de Deus possa estar guardada para um mundo assim? Será admitido frequentemente, que sim, existem alguns homens absolutamente desprezíveis e incorrigíveis, tão perdidos em seus caminhos desesperadamente maldosos, que nada mais é esperado para eles, senão, uma eternidade de sofrimento. Há um grupo de dissolutos, entretanto, à parte de Deus, e que zomba do seu nome e da religião. Há ateus, que negam abertamente sua própria existência; infiéis, que abertamente negam que Cristo veio em carne. Há assassinos de sangue frio e piores do que assassinos, que são vistos por todos como uma desgraça para o nome do homem. Para estes, poucos se atrevem a fazer defesa ou dá-los isenção da vingança terrível que aguarda os ímpios. Para que, assim, haja alguma consistência nas palavras de julgamento: “O abominável, os homicidas, os impuros, os feiticeiros, os idólatras e todos os mentirosos, a sua parte será no lago que arde com fogo e enxofre”. Contudo, dizer, que à criança obediente, e ao servo fiel, à mãe afetuosa, ao próximo generoso e prestativo, ou ao homem de inteligência e sentimento bom, que todos eles deveriam, eternamente, estar juntos na porção de destruição daqueles, e lançados às mesmas chamas eternas, simplesmente porque eles não creem em Jesus: esta é a pedra de tropeço em que milhares tropeçam e caem, para sua perda inevitável.
Há, talvez, uma via que seja a mais usada pelo homem, para rejeitar todas as convicções pessoais de pecado que a Palavra de Deus poderia lançar em nós. Pois, não sinto eu, dentro de mim todas afeições naturais da humanidade, toda a honestidade e integridade de nossa natureza? Não sinto eu prazer em ser honesto e lidar justamente com o próximo, em ser compassivo, generoso e hospitaleiro? Como então, não posso dizer à minha alma: “Alma, esteja bem? Essas virtudes tuas são um sinal certo de que tu nasceste para uma eternidade feliz”. Ah! meus amigos, não é uma coisa mui abençoada que, na passagem diante de nós, Deus arranque de nossas mãos a arma com a qual muito gostaríamos de nos defender, e transforme-a em um eixo para perfurar a nossa consciência mundana? E, oh! se tivéssemos mentes tão inteligentes como quando Adão quando andou com Deus no Paraíso, nada mais seria necessário para levar aos nossos corações a esmagadora convicção de pecado do que a repetição das palavras: “O filho honra o pai, e o servo o seu senhor; se eu sou pai, onde está a minha honra? E, se eu sou senhor, onde está o meu temor? diz o SENHOR dos Exércitos a vós”. Há um poder e uma paixão, assim como a de Cristo neste argumento, que poderia muito bem quebrar a mente mais dura e insensível; é como se Deus tivesse dito, como Ele o fez em outra passagem: “Vinde e arrazoemos”. Você diz que você tem muitas excelentes virtudes, que você tem brandas e belas afeições; você diz que o amor filial e paternal ocupa um lugar de domínio em seu coração, que a integridade e honestidade sacra está em elevada posição no seu coração. Negaria eu todas estas coisas? Devo diminuir a glória de minha própria obra, tão bela, até ruínas? Não, de fato é verdade; o filho realmente honra seu pai, o servo é fiel ao seu mestre; tudo é belo, quando eu olho apenas para as relações terrenas. Mas isso é exata coisa que mostra o desarranjo total de todas as nossas relações celestes; pois, “se eu sou pai, onde está a minha honra? E, se eu sou senhor, onde está o meu temor? diz o SENHOR dos Exércitos a vós”. Eu vejo que você honra seus pais terrenos, e serve fielmente seus senhores terrenos; mas esta é a precisa coisa que me mostra que eu sou a exceção. Vejo que não há um pai em todo o universo que é privado do amor de seus filhos, além de mim – estanho não é? um mestre terreno que tem roubada sua honra e serviço de seus servos, como eu sou.
Se, irmãos, você e eu fossemos afundados em brutalidade real, se não tivéssemos amor pelos pais, não houvesse honestidade para com os mestres, então Deus poderia ter tido motivo para dizer de nós, que nada melhor poderia ser esperado desses miseráveis, do que o esquecimento dEle, o Pai celestial e Mestre. Oh! Entretanto, quando há tais tenros e belos sentimentos em nossos peitos quanto às nossas relações terrenas, não é o nosso pecado escrito como com pena de ferro, e com chumbo na rocha para sempre, quando fazemos de Deus uma exceção, quando nos colocamos sem Deus no mundo?
Gostaria agora, com carinho e ternura profundos, suplicar à cada um de vocês que sondem seus próprios corações, e percebam se estas coisas não são assim; percebam se aquilo que vocês geralmente tomam como a desculpa de seus pecados, não seja a própria essência do seu pecado. O que você não faria, o que você não sofreria, por causa de um pai terreno? E ainda assim, você não gastará mais que um pensamento, ou a aspiração de uma disposição, pelo seu Pai celestial. Deus não está em todos os seus pensamentos. Você trabalharia duro noite e dia, em nome de um mestre terreno; mas você não estará disposto ao serviço do Mestre celestial. Deus é o único Pai a quem você desonra; Deus é o único Mestre a quem você aborrece. “Se fôsseis cegos, não teríeis pecado; mas como agora dizeis: Vemos; por isso o vosso pecado permanece”. Se fossem impedidos de afeto ou de fidelidade, já não teriam nenhum pecado; contudo, aqui está claro que são capazes de ambos, por isso, o seu pecado permanece. Imagine uma família de irmãos e irmãs, todos unidos pelos laços da amizade mais íntima e afetuosa. Oh! É uma boa e agradável visão ver irmãos habitando em unidade. “É como óleo precioso sobre a cabeça, que desce sobre a barba, a barba de Arão, e que desce à orla das suas vestes. É como o orvalho de Hermom, que desce sobre os montes de Sião”. O que eles não farão um pelo outro? O que eles não vão sofrer? Entretanto, imagine uma vez mais que toda esta unidade, que é tão similar à disposição do Céu, fosse mantida entre eles, ao passo que, ao mesmo tempo que eles estivessem unidade entre si desprezassem a mãe dedicadíssima que lhes deu a luz, e desviando-se, abandonassem o pai idoso que formou cada um deles. Esta singular peculiaridade, na imagem, não mudaria toda a sua beleza e todo o seu proveito? Isso não faria a comunhão deles mais parecida com a dos demônios, do que com a dos anjos? Não diria que seu afeto um pelo outro seria a exata coisa que faz seu desafeto para com os pais odioso e ainda mais perverso? Oh! irmãos, a imagem é uma imagem de nós mesmo: “O filho honra o pai, e o servo o seu senhor; se eu sou pai, onde está a minha honra? E, se eu sou senhor, onde está o meu temor? diz o SENHOR dos Exércitos a vós”.
Oh! é uma coisa terrível, quando em nossas próprias virtudes, buscamos refúgio contra a ira de Deus, que vem mui ferozmente para nos condenar.
Qual a utilidade da sua honestidade, qual a utilidade das amizades tão devotadas, do que que aproveita as suas virtudes próprias as quais o mundo tanto admira e louva, se, aos olhos de Deus, elas são, simultaneamente, realçando a sua impiedade?